E então você está solteiro e
tem um encontro. Você saiu de um longo e conturbado relacionamento e agora está
de volta na selva dos solteiros, esse mundo
pós-apocalíptico sem
regras e sem leis, onde cada um é seu próprio Mad Max, tentando chegar além da
cúpula do trovão, mas sem acordar de manhã ao lado da Tina Turner.
Ou você é um solteiro
ocasional, desse que pula entre relacionamentos e cuja
vida amorosa lembra um pouco o jogo Pitfall,
só que sem os jacarés ou anéis de brilhantes que valem pontos.
Ou até mesmo você é, sei lá,
um solteiro profissional convicto, e sua proficuidade com as mulheres é a mesma
do Stephen King com livros (tanto em quantidade quanto em qualidade).
Seja como for, a questão é
que você está solteiro. E como eu disse, você tem um encontro. Mas não apenas
um encontro. Um primeiro encontro. Sim, aquele momento quase lendário, tão
vastamente representado na cultura pop com filmes, piadas, quadrinhos, séries e
tiras infames envolvendo blind
dates com
o Ray Charles e o Demolidor.

Aquela hora em que duas
pessoas que não se conhecem tão bem assim mas que já tem algum tipo de
interesse mútuo (ou uma delas está sendo obrigada pela mãe/irmã/amiga) se
encontram pra descobrir se dali pode sair um namoro, um casamento, um caso, ou
pelo menos uma noite de sexo alcoolizado seguida de arrependimento e de um
telefonema constrangedor perguntando se deixou mesmo a chave do gaveteiro do escritório
na casa dela porque você precisa daquele arquivo pra uma reunião, não tá
achando as chaves na mochila e ontem foi aquela loucura toda, sabe como é.
O primeiro encontro é então
um momento de grandes expectativas, níveis altos de tensão e possibilidades que
vão desde o auge do êxito (“E foi nessa noite que conheci sua mãe, Junior, a
mulher da minha vida”) até o mais bizarro fracasso (“E foi assim que eu tomei
esses dois tiros, fui mordido pelo macaco e essa cocaína apareceu no meu
porta-luvas, detetive, eu juro!”), e é legal chegar nele tendo algumas coisas
em mente.
Mas como eu não sou o cara
que vai te dizer o que fazer (mesmo porque eu quase nunca sei, admito), aqui
vão algumas dicas sobre o que não fazer, ou seja, como não se comportar num
primeiro encontro, todas
devidamente testadas (ou
vistas em ação) nos primeiros dias da minha atual vida de solteiro.
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Demolidor
blind date. Legenda: Eu disse que essa tira existia...
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Não seja você
mesmo (ao menos não demais)
Uma coisa que todo mundo que
gosta de você (pais, amigos, família, colegas de trabalho) vai te falar a vida
toda é que pra que todo mundo te adore você só precisa ser você mesmo. O que é
uma verdade no sentido de que as pessoas precisam gostar de você pelo que você
é e as pessoas são mais bacanas quando estão sendo espontâneas, sem dúvidas.
Mas não faz tanto sentido assim quando te faz achar que todo mundo está
preparado pra te conhecer de forma completa e intensa numa noite, desde o seu
vasto conhecimento de trívia sobre o Homem-Aranha até o hino que você compôs
pro time de futsal da sua faculdade e a sua firme opinião sobre a atual
plataforma política do PSTU.
É importante ser você mesmo,
nem que seja porque falsidade ideológica é crime, mas também é legal levar em
conta que não é uma boa política querer se expor demais, porque isso pode pegar
a pessoa de surpresa e ser meio assustador num primeiro momento, por mais
interessante que você seja.
Quando em dúvida sobre o
quanto você deve falar de si mesmo num primeiro encontro, posso oferecer as sábias
palavras que meu pai disse quando eu tinha uns 13 anos e
chamei uma garota da minha sala pra ir ao cinema:
“Junior, seja você mesmo e vai dar tudo
certo. Apenas não mencione o juramento dos Lanternas Verdes, ela pode achar
esquisito.”
Acho que isso vale pra
qualquer um de nós.
Não se empolgue
muito
Ela é engraçada. Ela é
divertida. Ela é inteligente. Ela é linda. Ela é tão perfeitamente perfeita que
quando você tenta descrevê-la pra um amigo usa a palavra “épica” de forma mais
deliberada do que num cartaz do filme do Scott Pilgrim.
Quando ela aceitou sair
contigo você teve que se beliscar, tomar um banho frio, mudou
seu status do Facebook pra “Ueeeeeba!” e
passou horas no que parecia ser uma versão live-action e heterossexual do mundo
dos Ursinhos Carinhosos.
Você está absoluta e totalmente empolgado pra noite e enquanto toma seu banho
pra sair já está pensando no aniversário de um ano do futuro namoro de vocês,
assim como em quanto custaria uma lua de mel no Caribe. Lua de mel que vocês, é
claro, não vão ter, já que o encontro provavelmente vai ser uma merda.
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Seu
encontro: um épico de epicidade épica. Ou um pouco menos.
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Isso porque certos níveis de
empolgação e overrating com
a garota tendem a te colocar não apenas numa posição que vai soar muito bobona
e indefesa pra ela –
dizer que a garota está linda uma vez é
bacana, duas vezes é legal, 19 vezes em 10
minutos e gaguejando em boa parte delas é
esquisito –
como também
te impedir de se soltar e ser você
mesmo, porque aquele encontro vai parecer pra você algo tão importante, tão
sensacional, tão foda, tão… épico,
que vai te deixar travado diante da possibilidade de fazer alguma besteira e
perder essa que é
a “chance
da sua vida”
com “a
garota mais legal do mundo”.
Ela é sensacional? Claro. Mas
você também é bem razoável, então respire fundo, use menos a palavra “épico” e
dê uma maneirada nessa cara de bobo.
Não fale da sua
ex
Ainda que isso pareça uma
coisa óbvia – não
falar da sua ex com a sua possível futura atual –
para muitas pessoas o assunto parece ser absolutamente essencial num encontro,
mais ou menos como educação, saúde
e trabalho são
num debate presidencial.
Seja como um tópico claro e
direto de conversação como “É que eu acabei de sair de um relacionamento e por
isso…” ou como uma série
de menções
remissivas durante a noite “Engraçado
você
falar do ar frio, porque meu ex respirava e…”,
a questão
do ex, quando mencionada com frequência
cria um bizarro e desagradável clima
de ménage intelectual na
mesa, como se você estivesse sobrando num encontro a dois, o que, assim como o
Steven Seagal, pode matar qualquer coisa, inclusive uma noite.
Não que seja necessário pagar
uma consulta na Lacuna Inc. antes do encontro, mas é sempre bom ter em mente
que não só a noite gira em torno de vocês dois e falar de outras pessoas não é
a melhor forma de aproveitar esse momento como também os constantes comentários
sobre uma ex-namorada te fazem parecer preso a esse antigo relacionamento, seja
de forma apaixonada ou rancorosa, que é tudo que uma pessoa que está te
conhecendo agora não acharia interessante.
E claro, evite fazer
comentários sobre sua/seu ex enquanto
segura a faca. Isso te faz apenas parecer
maluco mesmo.
Não banque o
descrente
Isso costumava vir mais da
parte de algumas garotas, mas hoje em dia acontece com muitos homens também:
você sai com aquela guria que parece divertida e interessante, mas lá pelo meio
da noite ela começa com aquilo que seu tio chamaria de “papos cabreiros”. Ela
diz que não acredita em relacionamentos, não acredita no amor, não acredita que
as pessoas mereçam confiança, que todos os homens são iguais, que ninguém
presta e por aí vai.
Claro, algumas pessoas podem
ler isso como uma forma indireta de dizer algo como “Me convença, me prove o
contrário” e se sentir compelidas pelo desafio, mas a maior parte de nós, que
realmente não tem aquele espírito de Kevin Costner e não quer começar uma noite
com a responsabilidade de “ensinar alguém a amar de novo” vai apenas se sentir
intimidada, dar um sorriso meio sem graça e dizer algo como “É, mas que coisa,
não? Ei, olha só, frango à passarinho!”.
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O
silêncio constrangedor pode não constar no cardápio, mas é sempre cortesia da
casa.
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Esse tipo de situação passa
um pouco pela ideia de “ser você mesmo, mas nem tanto” e envolve também certa
parcela de autoconhecimento que cada um de nós precisa ter. Ninguém é obrigado
a estar no mercado ou forçado a sair com outra pessoa –
mesmo que seus amigos pensem o contrário –
e se você
não
se sente pronto pra conhecer alguém
ou apenas não
está
com vontade, não
conheça.
Cada pessoa tem seu ritmo,
sua forma de lidar com as pessoas e se você, no meio de um encontro com uma
pessoa que mal conhece, começa a xingar todas as pessoas do outro sexo na face
da Terra enquanto quebra uma garrafa na bancada do bar pode ser que ainda não
seja hora de sair com alguém. Mas é só um palpite.
Não trate
aquele encontro como se fosse o último
Um dos grandes problemas de X-Men
3 – O
Confronto Final foi
a tentativa dos roteiristas de colocar história demais num
filme só. Em uma hora e meia eles mataram o Ciclope, mataram o Prof
Xavier, tostaram o Wolverine, ressuscitaram a Jean, mataram a Jean, socando num
filme só histórias e personagens que poderiam render tranquilamente mais uma
trilogia, apenas porque acharam que aquele era o último filme da série e
“quanto mais, melhor”.
Antes que você me pergunte
que raios isso tem a ver com um primeiro encontro, eu explico que muitas pessoas
tentam fazer de um primeiro encontro o seu próprio X
Men 3, ou seja, querem tratar
aquela noite como se fosse a última e querem que tudo aconteça ali mesmo,
naquela hora.
Esquecendo que numa primeira
noite está implícito o conceito de que sim, deve haver outras, você pode forçar
barras, apressar coisas, criar situações que estão metaforicamente “matando o
Ciclope” dessa futura franquia que é o seu relacionamento com a garota, apenas
pra tentar colocar o máximo de história no mínimo de tempo. Claro, um primeiro
encontro intenso é algo legal, mas o processo lento e divertido de conhecer
alguém e construir algo é uma das melhores coisas num relacionamento e perder
isso sempre é um erro.
Fora que pô, gente intensa
demais é assustadora pra cacete, amigos.
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Ciclope
está claramente pressentindo o perigo...
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Relaxe, é só um
encontro…
Relaxar: após todas as coisas
que são legais de não fazer, acho que essa é a única que eu posso sugerir que
você faça – se
eu fosse o Pedro Bial, “relaxe”
seria o meu “use filtro solar”,
algo assim –
porque é
possivelmente a mais importante de todas. Se você
estiver tranquilo vai ser você mesmo do jeito certo,
não
vai hiperdimensionar o encontro, não
vai falar da ex, não
vai fazer discursos contra o cromossomo XX e muito menos tentar contar a “Saga
da Fênix Negra” com a garota em uma noite.
Por mais que a gente tenha
expectativas, fique ansioso, se preocupe se o cabelo vai estar legal ou não e
às vezes simule conversas de forma constrangedora no espelho do banheiro, um
encontro é apenas um encontro e o único resultado importante é o quão divertido
ele é pra você e pra outra pessoa.
E sendo divertido, seja do
jeito que for, então a noite vai ter feito sentido e valido à pena. Mesmo se
você terminar numa delegacia tendo que explicar pra alguém o lance das balas e
da mordida de macaco.
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